gavetas
Minhas gavetas não são do interior. São urbanas, limpas e organizadas. Tentam desesperadamente não ter nada a mais, tentam ser ascépticas. Minhas gavetas não têm arruda seca nem pó de terra nem espaços sobrando... Não têm bagunça nem lugar para cantigas românticas do norte. Não têm vãos para sonoridades nem para fantasias. Tentam ficar calmas, longe das origens, longe de barulhos e de exposições. De vez em quando, sinto uma nessecidade absurda de pô-las em ordem. Tiro tudo para fora, jogo o velho, arrumo o novo. Mas a deterioração vence sempre (ainda bem!) e transforma a ordem em caos poucos dias depois. E vou vivendo assim, limpando meu mundo sem lidar com os escondidos, perseguindo um desejo obscuro, repetindo estruturas, vagando por um não saber, lugar enfiado no cerne da minha coluna. Talvez, se eu deixar o mofo nascer e crescer, eu possa saber de mim, das ervas perdidas e da terra que é o pó que eu vou ser um dia.
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