24.11.04

Beto

Pô, cara, que merda, hein? Mas vai em paz, porque se você conseguisse ficar ia ser muito punk! O negócio é que é difícil a gente não conseguir se despedir direito, né? Fica aquela coisa de medo, um sem-saber meio engambelado por médicos e estatísticas macabras que dão conta de dados biológicos, mas não da nossa vida. Uma semana de montanha russa, da mamãe achando que você ia conseguir ficar com a gente, programando mudanças no apê pra você poder cuidar da doença... E depois achando que ia dar merda mesmo e chorando pacas. Ela tá muito... Nós estamos muito... Fica um vazio no peito, sabe? Mas eu queria te dizer que valeu! Valeu a força, a tiração de sarro, as viagens pra Socorro (!), o carinho, o cuidado, o amor, as estruturas, as ranzinzices, as risadas, os lanches no domingo, os mimos pros netos, as brincadeiras... Tudo valeu! Tenho certeza de que a tua alma não é pequena, Betão! Você vai sobrar um pouquinho em cada um de nós.
Beijão, da Bié!

10.11.04

perda

A simples possibilidade real de não ver mais uma pessoa que a gente gosta faz um estrago enorme. Angústia e desequilíbrio. Tristeza e desamparo. Porque a possibilidade da perda é absolutamente individual e intransferível. Merda!

9.11.04

Tio Lulu

Como minha mãe me contou várias vezes, lá nos idos furiosos da ditadura militar, perseguições rolando soltas, medo, pavor, prisões, o caraco, meu tio Lulu, no meio da Doutor Zuquim, gritando a plenos pulmões:

– Tudo, menos a monotonia de nossas vidas!

Gênio!

8.11.04

Do baú

Tenho medo
Sinceridade incompleta
É ridículo: eu tenho medo e digo que não sei
É uma resposta covarde
Covarde porque tenho medo

Como posso ter medo de você?
Você é mais fraca do que eu,
Eu torço seu braço nas costas
E o que você pode fazer comigo?

Me oferecer a oportunidade de me afogar nos seus seios?
Do medo de me enforcar nos seus cabelos?
Me estender a vagina dentada e me devorar?
Do medo...

Talvez
Medo de ouvir outro não e voltar pra casa
absurdo dentro daquele casacão
como uma lagartixa nadando no conhaque
Talvez
Medo de que você dependa de mim
Talvez
Medo de que eu dependa de você
Mas definitivamente
não é porque deu que você é cinestésica-acústica
no teste do cubo!

Gabriel R., 1988


Tem medo não, bobo! Prometo que só mordo devagarinho...

1.11.04

ooops

avalanches
negros
percorrem
céus
perpétuos
cheios
de faces
brancas
perdidas
entre
deuses
efêmeros

F&G, 1989

ataque

O primeiro namorado, gordo, cabelo chanel curto. Um samurai. No emotions. Começa a beijá-lo e ele pergunta do outro. Diz que não tem problema. Close na cara, impassível. Morde a sua jugular tensa. É magra e lânguida.