30.9.04

elena

A liberdade de sentir prazer sem culpas sem causas sem esquemas ou problemas. A compreensão de qualquer alfinete pequeno ou qualquer poema medíocre. Um rio de ar, onde os acontecimentos correm como pensamentos livres. Geografias abertas e físicas explodidas. A completa falta de obrigação, temporária, mas absoluta. Disciplina por gosto, por opção.

E o peito vermelho fica colorido e voa pelos ventos e pelo sol no meio da cidade poluída. Nada mais importa. A vida é sensação. A independência só aumenta o amor sentido pelos outros, que fica maior, maior, maior. A alegria estoura gigantesca, levanta a poeira, estraçalha lembranças, faz da perda energia.

Liberdade, então.

27.9.04

ressaca

Depois de 50 minutos dando voltas com os pés enterrados na grama fria, finalmente a porta se concretizou e o evento se abriu, não que se pudesse deixar de perceber o clima de fim de festa, com todos aqueles docinhos esbugalhados e espalhados pelo chão. Tá bom, tinha champagne ainda, mas não tinha favo, não tinha lanchonete no lugar de sempre, não tinha pão-de-queijo.
Muitas pernadas depois e algumas coisas bonitas de ver, sem contar com a produtora mal-educada que furou a fila para sua própria exposição: a festa. Como a comida já havia sido deglutida e a maionese já desmaiava junto com o presunto dos sandubinhas, foi só cerveja mesmo e outras coisas desse nível. Zonzeira, liberdade, dança, balança e capotagem na cama da dona da casa.
Dia seguinte, leseira, peso na cabeça, vagarosidade.
Mais um dia e dor de garganta.
Difícil!

23.9.04

Pausa

É quase um descanso do real. É como uma fantasia, um delírio... Melhor que carinho de mãe, melhor que elogio de amigo. Barbaridade! Que horror!!!

reforma

Quase um mês de poeira que atravessou a rua. E os caras lá, na maior reforma. Não, não vou negar porque fica chato, fiquei puta mesmo. Vinha uma corrente de pó direto pro meu apartamento. Massa, lixa, sinteco, lixa, pintura, o escambáu. Depois de tudo branquinho, novo, novo da silva, os caras encheram a sala de poltronas antigas de cores duvidosas e tecidos pegajosos. Aposto que deve ficar um forno no verão. Bate sol direto nessa sala. E ainda chegaram uns arranjos de flores artificiais que... Uuuuurgh! Dói de ver aqui do outro lado. Tanta rinite pra nada. Acho que eles me devem uma grana!

22.9.04

trim

Liguei e você disse:
– Não tenho nada pra dizer.
E eu:
– Então tá. Um beijo.
E você:
– Outro beijo pra você.

Gostei não, cara...

Putz

Liberdade não se confunde com ato voluntário de escolha nem se opõe à necessidade. É o desdobramento interno daquilo que se é naquilo que se faz. Oposta à passividade e ao constrangimento externo, é a essência do infinito e a conquista do finito quando fortalecido por sua mente, seu corpo e seu desejo.
Hahaha...

Ar

E foi uma lufada de alegria. Falaram sobre muitas coisas com um entusiasmo de estar falando, não das coisas, mas simplesmente falando. Momentos em que o objeto não tem a menor importância. Gostoso é sentir a brisa do outro lado. Momentos de viver no presente. Calmos, agitados, flutuantes. Momentos bons.

16.9.04

Lúcifer e o manguito rotador

Quando a gente começa, não dá mais para parar... Coisa feia, sabe? O cara veio vindo, no meio da rua, todo maltrapilho, de noite, aquelas coisas... Difícil não reagir. Fisicamente, nessas horas, não tenho controle. O corpo se crispa, faz uma curva, evita o contato, se defende por conta própria. Estava lá na Francisco, no antigo apê de mamã, fugindo do bicho, que nem sei se era gente. Lúcifer me dizendo algo, me dando um conselho. Falando que no frio era melhor não se encolher, era melhor relaxar... Entrei no prédio, desviando atenções e, sei lá porque catso, tinha fila para pegar o elevador (!?!). Com cordinha de banco e tudo o mais! Não dá pra acreditar. E, no final, o tal do manguito rotador, assim, emblemático, em 3D na minha cabeça. Cada sonho que parece 3!

epifania

a razão vagabunda transita
cobrindo de pegadas
o banheiro do absurdo

pro Flá

Nada foi feito o sonhado
Mas foi bem-vindo
Fosse tudo
Fosse lindo

Leminski

ai ai ai

O tempo é curandeiro, abismo e trevas.

Édipo & Jocasta

Do casamento de Édipo e Jocasta nascem filhos: Polinice, Eteócles, Ismênia e Antígona. Ciúme, inveja, ódio parricida, culpa, tremor e temor. Ingredientes das paixões edípicas. Receitinha básica. Vai encarar? Já encarou?

só vida

Sentia uma sensação calma de dormência. Um formigamento sonorizado por pianíssimos acordes. Uma linha horizontal quase infinita, vermelha e azulada. Quase paz. Como se não fosse nada. Fosse tudo. Como se estivesse tudo certo. Ou talvez não importasse. Na verdade, nada importava, nada duvidava. Nem chavões nem preconceitos ou pensamentos absortos. Nem medo. Só vida sem morte.

10.9.04

do outro lado

Do outro lado da rua tem um garoto de patinete, tem uma mãe de cinco filhos, tem uns guris no video game. Do outro lado da rua, tem uns velhotes que jogam truco, tem uma mulher que costura, tem um casal que é moderno. Do outro lado da rua, também tem, às vezes, uns alemães que tomam vento na bunda branca. Tem homens em cadeiras de roda, gente que passeia cachorro. Tem crianças no parquinho, menino de rua e jogo. Tem táxi a dar com pau, tem velho tomando sol, tem luz que fica acesa a noite toda e silêncio nos apartamentos escuros. Do outro lado da rua tem outras vidas que não são a minha, tem tristeza, tem alegria, tem baseado e sacanagem. Tem também gente normal, que come, anda, faz exercício, lê um livro, limpa a janela e vai embora do serviço. E quando bate o cansaço e surge a fuga para outro lugar, a verdade é que sinto falta, sinto falta do lado de lá.

Roseana

“A vida também é para ser lida”
Guimarães Rosa

9.9.04

a verdade

“E assim se passaram pelo menos seis ou seis anos e meio, direitinho deste jeito, sem tirar nem pôr, sem mentira nenhuma, porque esta aqui é uma história inventada, e não é um caso acontecido, não senhor.”
Guimarães Rosa - A hora e a vez de Augusto Matraga

8.9.04

de repente

Tinha um cara pelado no quarto. É sério. E nem tinha pedido para ninguém tomar banho. Estranho. Há determinadas demandas que são silenciosas, ficam escondidas por debaixo da pele, dos cheiros, dos olhos. Há certas loucuras que a gente não entende, mas segue, como se fosse uma literatura qualquer. Idéias são só idéias, não é mesmo?

5.9.04

causo

cosmopolita
Anita
habita
a cósmica
cidade
do Ita
onde
não sabemos como
ficou a par
da situação
de situação
incestuosa
sua própria
com seu
próprio irmão

então
deu-se
dado
como
sequência
seu ataque

coitada...
amasiada
não pôde
nem
dar um ai!
foi morta
por seu
próprio
pai.

4.9.04

silêncio

Imerso no sono intranqüilo, cercado de borboletas mudas, qualquer semente de esperança é vã. A brutalidade da solidão é equivalente ao infinito abismo do vazio. Se, durante a queda, é possível vislumbrar formas do absoluto, não tem ilusões: são fantasmas. Está perdido no sem-sentido do universo.

3.9.04

peixes

Era uma vez dois peixes
Guardados cada um em sua era de aquário
Mas, como é característico dos peixes
Um nada na água
Outro na água nada

Enquanto um mantinha os olhos arregalados
o outro nunca fechava os dele
Enquanto um não vivia em água salgada
o outro só podia viver em água doce

E como é característico dos sólidos
ambos não ocupavam o mesmo lugar no espaço
E como é característico dos peixes
Um nada na água
Outro na água nada

Gabriel R. 1985

1.9.04

a bolha

Corre para vestir o vestido. Não deu certo, troca de roupa. Na dúvida: preto. Rápido, estão atrasados. Falta passar na casa da irmã para pegar o casaco. Elevador, garagem, carro na rua, trânsito. Muito trânsito. Desistem do carro, melhor metrô. Levam mais de 25 minutos para voltar para casa. Caminham até a estação. Gente, muita gente. Espremedor de gente. Não dá para ir no primeiro trem. Baldeação. Não dá para pegar dois trens na segunda estação. Cotovelos, bolsas e joelhos. Cheiro ruim. Bolha no pé. Salto é uma merda para andar. E a Luz se faz, finalmente. Mau humor, mau humor, mau humor. Andam até a maldita sala. Devagar, por causa dos pés. Checam nomes, lentamente. Lá dentro, de novo, muita gente. Água, palestras, um show, os amigos. Depois, talvez, um jantar. Mas não, não obrigada. Táxi, casa, pijama e cama. Ontem era dia não.