19.6.06

Declaração

Este que aqui está à minha frente é aquele que escolhi para meu. Pode ser meu abismo. Este que aqui se encontra é aquele que escolhi para me amparar. A todas as horas, a qualquer momento. Este que aqui se encontra é aquele que escolhi para me maltratar. E para ser maltratado de volta, que eu não sou tonta... Este que aqui se encontra é aquele que escolhi para me amar. Pode ser meu ralo, nunca me calo. Este que aqui se encontra é aquele que escolhi para massagear. De maneiras variadas. Este que aqui se encontra é aquele que escolhi para ver tevê em noites chapadas. Para rir. Este que aqui se encontra é aquele que escolhi para correr ao meu lado dando a volta no planeta. Este que aqui se encontra é aquele que escolhi para quase sufocar. Mas para escapar com vida. Este que aqui se encontra é aquele que escolhi para construir imagens livres, truncadas, desprogramadas. Este que aqui se encontra é aquele que escolhi para dividir o amargo e o doce. Este que aqui se encontra é aquele que escolhi para beber. E para embriagar. Este que aqui se encontra é aquele que escolhi para olhar, de perto, de longe, de cima, de baixo, enviesado. Este que aqui se encontra é aquele que escolhi para criar triângulos maduros como frutas. E só ele vai entender isso. Este que aqui se encontra é aquele que escolhi. Eu sei.

vento parado

olhando para os vãos das folhas de árvores altas, no banco do passageiro, tudo parece ser mesmo passageiro... e vão passando as luzes, passando os sons das cordas, passando as conversas dos amigos, ficando velhos, ficando cegos, ficando quietos, como gatunos com artrose... e os casórios também vão ficando sem óleo, sem lubrificação, sem graça, sem sal... e os prédios vão perdendo a cor, os tetos dos banheiros vão acumulando mofo, as cortinas vão ficando bejes, os buracos vão aparecendo nas paredes... e os cupins, sempre por perto, à espreita, esperam o momento para atacar!

mas ainda há uma chama por dentro, um calor, um vapor, uma quentura mole, meio gosma, meio doce, meio amarga... é desse quente permanente que pode surgir um espanto, um canto, um grito... é desse quente que a gente pode viver por anos a fio, por toda a eternidade, pelo infinito que virá... é desse quente nosso que vamos abrir caminhos, que vamos nos ver de outros ângulos, que vamos rir e chorar, que vamos amar... é brega, mas é real... é piegas, mas é vital...

o vento parado, prestes a se movimentar...